O frio inesperado gelava seus ossos enquanto desviava dos carros no trajeto. Os dentes começaram a bater e ela desejou um cachecol como nunca. Considerou a hipótese de desviar do caminho e ir atrás de uma loja comprar um casaco, mas antes que terminasse seu raciocínio, já estava dentro do pub.
Com sempre, sentou-se sozinha numa mesa alta, no canto do bar e pediu uma pint de Guiness. Pode sentir seu corpo recuperando a temperatura normal enquanto tentava decifrar qual música a banda tocava. Fechou os olhos para se concentrar melhor na melodia da canção e ao abri-los enxergou uma garrafa de Stella colocada à sua frente, já ia reclamar quando notou que não era a garçonete que estava em sua frente. Não conseguiu dizer nada, apenas fez um esforço sobrenatural para não desabar ali mesmo.
– Você ainda toma Stella?- ele perguntou
Pensou em levantar e lhe dar um abraço, mas não conseguiu. Apenas sorriu com metade da boca. Eram tantas as coisas não ditas e guardadas durante esses anos, que as palavras se embolaram todas, uma disputando importância com a outra, e resultaram presas na garganta, sufocadas. Foi salva pela garçonete que chegou trazendo a cerveja. Finalmente as palavras se acertaram e ela conseguiu formular uma frase, com o fiapo de voz que lhe restava.
– Agora eu tomo Guiness.
Respondeu, para em seguida beber meia pint em um gole só, arrancando dele um suspiro e um sorriso.
– Eu não imaginei que fosse me sentir assim ao te reencontrar.
– Já eu, tinha certeza. Por isso sempre evitei, mas hoje o universo conspirou a favor…
Ela virou o restante do copo e imediatamente pediu mais uma cerveja:
-Vou te acompanhar na Stella em homenagem aos velhos tempos.
Ele abriu um sorriso largo, meio aliviado, como se soubesse que ela finalmente estava voltando a si. Mais solta, ela emendou um assunto no outro, sem pausa, temendo que o silêncio os fizesse lembrar daquilo que realmente queriam dizer. Assim, passaram os primeiros 30 minutos conversando sobre amenidades, resumindo o que lhes havia acontecido nos últimos anos em que ficaram sem se falar. Deram algumas risadas, sentiram-se tão à vontade que quase acreditaram ser bons amigos.
Em um momento de descuido, o silêncio os tomou de assalto e, sem alternativa, renderam-se. Seus olhares preencheram o vazio deixado pela falta das palavras. Ela tentou se distrair, olhando para a coleção de bebidas por trás do balcão, mas podia sentir os olhos dele, fulminantes, enxergando sua alma. Alguém abriu uma janela e uma golfada de ar frio lhe gelou a espinha. Em uma fração de segundos começou a tremer, sentia tanto frio que mal conseguia raciocinar. Seu corpo todo chacoalhava e ela já não sabia se aquilo era apenas frio ou resultado daquele encontro. Ele se aproximou e cobriu-a com o seu casaco. Durante o movimento, seus joelhos se tocaram , lembrando-a de tudo que ela se esforçava tanto para esquecer. Pediu mais uma cerveja, a saideira.
– Preciso ir embora.
Ele consentiu com a cabeça. Pede para eu ficar vai. Silêncio. Ela novamente tentou desviar a atenção, lendo os rótulos das garrafas detrás do balcão. Ainda podia sentir os olhos dele acompanhando cada movimento seu. Olhou para o teto, mas não havia nada que pudesse distraí-la ali.
– Por que fica olhando para essas garrafas toda hora?
– É uma tática.
– Tática?
– Pra não manter contato visual.
– E funciona?
– Não… Para de me olhar desse jeito vai.
– Por quê?
– Porque parece que você está lendo meus pensamentos.
– É que eu estou pensando a mesma coisa que você.
Como me esconder desse homem que me conhece do avesso? O que eu posso dizer que ele já não saiba?
Sorrateiramente seus corpos escorregaram de seus bancos e se aproximaram, atraídos como ímãs. Se respirassem um pouco mais profundamente, suas pernas se tocariam de novo. Ela sorriu com o pensamento, mas suas palavras não concordaram com suas ideias:
– Eu não acho que isso aqui seja uma boa.
– E não é. Mas desde quando a gente se importa com isso?
Desde quando? Não saberia responder. O fato é que agora ela se importava com isso. E precisava partir, ou perderia o ônibus e a razão. Levantou-se na direção dele e perguntou se podiam dar um abraço.
– Devemos.
Sentiu a força dos seus braços em sua cintura e decidiu prolongar o momento. Aproveitou o calor e o cheiro daquele corpo tão familiar. Recebeu um beijo demorado, no canto da boca, e saiu. Sentiu uma bola de espinhos se formando em seu peito, subindo até a garganta e enchendo seus olhos d’água. Com a visão meio embaçada, saiu para a rua. O vento não parecia mais tão gelado. Percebeu que estava de casaco e sorriu.
Adorei, como sempre!
Obrigada ❤
gostei muito
nossa! qta inspiração
não pare , escreva nem que seja só uma frase.
vc tem o don .
Deus te abençoe meinina
abração
tia neguinha