Timing

9 nov

Fabi Marques

Estavam terminados, não porque haviam combinado assim, mas porque o tempo deles realmente havia acabado. Aquele encontro era apenas uma tentativa meio desesperada de adiar um pouquinho o fim daquilo que um dia havia sido tão bom.

As separações amigáveis são as piores. É muito mais fácil quando tudo acaba em raiva, mágoa e agressões mútuas. Não há então outro caminho a não ser o da distância. Os términos cordiais são um meio termo, indefinido, ninguém sabe como se comportar. Seremos amigos? Trocaremos emails afetuosos a cada aniversário, até não termos mais nada a dizer um ao outro? E então nos encontraremos por acaso, ficaremos sem graça, beberemos além da conta e passaremos a noite juntos desnecessariamente?

Um carro encostou e ela se aproximou meio constrangida por seus pensamentos.

– Como foi o trabalho hoje?

– Tranqüilo.

– Esfriou né?  Esse tempo é maluco…

– Aham – foi respondendo sem prestar muita atenção, enquanto roía todas as unhas da mão direita

Já no quarto, conseguiu desanuviar os pensamentos. Agora ele parecia nervoso. As despedidas não lhe caíam bem, ela sabia.

– Tá nervoso?

– Quer me acalmar?

– Posso tentar – respondeu beijando-o devagar. E surpreendeu-se sentindo um sabor diferente em sua boca, mais gostoso.  Só porque era a última vez.

Estava disposta a encontrar numa única noite todos os defeitos que não descobrira até então.  Usou isso como argumento para justificar a si mesma o despropósito daquele encontro. Precisava começar naquele minuto, antes que fosse tarde, mas já estava difícil pensar em qualquer coisa ruim no meio daquele beijo. Afastou-se subitamente, ainda a tempo de vê-lo de olhos fechados. Ele tem sardas? Como eu nunca notei isso antes?

– Em que você está pensando?

– Em nada.

– Vem cá…

Mais um beijo. E outro. E mais um, acompanhado de todas aquelas coisas que tornaram seu plano inviável. Tá, no sexo não vou achar porra de defeito algum. Porque é bom mesmo do começo ao fim. Vamos focar em outra coisa. Ele acha estranho andar de mãos dadas! Pronto. Quer coisa mais escrota do que um cara que não pega na tua mão?

– Que cara de brava é essa?

– Nada não.

Deitada de bruços, nua, podia ver o reflexo do seu corpo no espelho. Engraçado como criaram uma intimidade bizarra em tão pouco tempo. Tinham uma afinidade inexplicável. Por que mesmo não podiam ficar mais juntos? Ela sabia a resposta. Havia inúmeras razões, mas naquele momento elas pareceram pequeninas. Aproveitou que ele estava no banheiro e suspirou alto. Precisava achar mais um defeito, urgente. Ele gosta de músicas estranhas, só ouve bandas desconhecidas. Tá, mas ele toca guitarra maravilhosamente bem. Foda-se, porque ele só toca música que eu não sei cantar.

Sentaram-se frente a frente, bem próximos. Sempre que se encontravam, na ânsia de aproveitar cada segundo, acabavam se esquecendo do básico. Dessa vez não. Queriam reter cada instante na memória. E passaram segundos, minutos, talvez horas, só assim, se olhando.  Ele pedia e ela obedecia. Deixou que ele examinasse seu corpo sem pressa.  Cada pedacinho dele.

Acordou um tempo depois e não o encontrou na cama. Temeu o pior. Mas não. Ele estava fumando na parte externa do quarto. Sabia em que ele estava pensando, ou pior, em quem. Uma pontinha de tristeza ameaçou invadir, mas ela conseguiu se distrair pensando em mais um defeito. Ele fuma. Odeio fumaça e cheiro de cigarro.

Foi até ele, enrolada em um lençol. Sentou-se à sua frente, com certa distância.

– Que foi? É minha vez de perguntar.

– Nada,  é minha vez de disfarçar.

Pronto. O momento temido havia chegado. A hora em que os dois se dariam conta de que não deveriam mais estar ali. Haviam abusado da sorte, extrapolado a data limite, perdido o timing do adeus.

– O som está muito alto, não acha? – perguntou já abaixando o volume

Ele é muito reservado, muito quieto. Ia odiar as festas barulhentas da minha família. Recriminaria a afetação da minha irmã. Não teria paciência com a surdez da minha mãe. Não saberia esconder o tédio quando meu pai lhe narrasse pela quinta vez como foi bom comemorar o título do Corinthians depois de 23 anos sem ganhar nada. Mas, principalmente, jamais conseguiria retribuir meu jeito espalhafatoso de amar.

– Acho que está na hora de ir embora. Vamos? – ela pediu

No trajeto de volta tentaram driblar o silêncio com conversas vazias. Ela passou boa parte do tempo olhando pela janela, engolindo as lágrimas que caíam salgando sua boca. Quando estacionou o carro, ele pousou sua mão sobre a dela. Quis abraçá-la, mas já não sabia como. Ela achou mais fácil sair sem se despedir. E não precisaram falar nada, pois já estava tudo dito.

8 Respostas to “Timing”

  1. Giu 9 de novembro de 2010 às 8:18 am #

    Puta que pariu! Meu coração ficou apertado! Texto que serve para tantas histórias…. Te amo e APLAUSOS.

  2. Fran 9 de novembro de 2010 às 10:22 am #

    Fabi, texto PRIMOROSO!
    Essas histórias parecem que foram feitas pra ficarem engasgadas né… elas dóem no coração, especialmente quando o silêncio fala mais do que as palavras…
    Me lembrou muito as Redatoras de Merda…

    Bjos!!!!

    • Fabi Marques 9 de novembro de 2010 às 10:57 am #

      Obrigada Fran. Eu AMO as Redatoras de Merda, talvez goste tanto justamente por me identificar. Só sei escrever história de amor frustrado. Por que será? rs
      Beijos

  3. Lívia Stábile 9 de novembro de 2010 às 11:28 am #

    Amada, quase chorei!!! Juro! Muito emocionante e lindo! Como sempre vc arrasa nas crônicas! Um de seus dharmas! já que vc não conseguiu definir eu mesma defino! hehe! MAs, vc me conhece né… Sou bem mais a favor das separações civilizadas e conversadas… As dramáticas sempre deixam um vazio… uma falta de ter falado o que queria e ter escutado algo do outro… Enfim… Saudade louca! Saudade da sua intensidade! beijos!

  4. Fabi Marques 9 de novembro de 2010 às 12:43 pm #

    Obrigada Giu. Love you.

    Lili, eu tbm sou a favor das separações amigáveis. Minha personagem que não é, rs. Ela é dramática e gosta de sofrer. Não sei de onde tiro essas coisas, hahahahaha.

    • Lívia Stábile 10 de novembro de 2010 às 6:09 pm #

      VErdade né! Nem eu!!! hahahahaha! beijo amada

  5. Lívia Komar 10 de novembro de 2010 às 8:24 pm #

    Nossa, estou sem ar!
    Perfeito, Fabi!

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