O moço ao lado pareceu se incomodar com o tamborilar de seus dedos no balcão do bar, mas ela fingiu não perceber. Sentada sozinha, inventava maneiras de se distrair sem que precisasse conversar com alguém. Deu mais um gole na pint de Guinness, que desceu amarga e quente. Mania que esses pubs têm de servir cerveja quente como se estivéssemos na Europa, pensou em voz alta e suspirou, atraindo novamente o olhar do moço ao seu lado, que dessa vez sorria. Retribuiu com um sorriso sem dentes. Não estava a fim de fazer novos amigos, manter os antigos já era esforço suficiente.
Revirou a bolsa em busca de seu celular. Nenhuma ligação ou mensagem. Pensou em checar os emails ou tuitar alguma coisa, mas estava tentando se livrar do vício de navegar no celular a todo minuto. Sentiu uma angústia crescente em seu peito e não conseguiu identificar o porquê. Devia ser porque estava esperando e odiava esperar. Estava absorta nesses pensamentos quando viu o amigo entrando no pub. Haviam sido muito próximos na época da faculdade, de fazer tudo juntos, mas não se viam pessoalmente há mais de dez anos. Finalmente a imagem borrada que tinha guardada em sua memória foi ganhando contornos mais vivos e realistas.
— Oi! Desculpe o atraso, mas me enrolei lá no trabalho. – se explicou Saulo
— Já estou na segunda cerveja! – ela respondeu empunhando orgulhosamente o copo
Foram longos segundos de estranhamento e timidez enquanto se olhavam sem poder dizer nada, tentando relembrar cada conversa trocada ao longo dos anos e combinar as frases ditas com os rostos e corpos ali presentes.
Ela sugeriu que ele se sentasse logo e começasse a beber. Optaram por permanecer ali mesmo no balcão. Parecia a opção mais acertada, assim estariam juntos, mas não apenas os dois, já que ainda não estavam à vontade.
Algumas horas e cervejas depois a intimidade que experimentaram no passado, já havia se estabelecido novamente. Riram um riso solto, genuíno. Empolgada durante alguma constatação maluca, ela tocou o braço dele de leve, sem querer. O contato lhe causou uma reação estranha e inesperada, sensação que preferiu atribuir ao sexto pint de cerveja. Falaram em ritmo frenético, as palavras transbordando da língua, tentando condensar anos de falta de convivência em algumas horas. Súbito, Saulo se ajeitou na banqueta, como se estivesse se preparando para anunciar algo muito importante.
— Que foi? – perguntou olhando pela primeira vez bem nos olhos dele.
— Eu não ia te contar, mas agora que estamos aqui frente a frente eu sinto que preciso compartilhar isso contigo.
— Fala logo.
— Estou com um pouco de vergonha. Promete que não vai me julgar?
— Eu? Te julgar? – questionou quase gargalhando. – Logo você que conhece meu lado mais negro!
— Te contei que desde que marquei a data do casamento, estou me sentindo meio esquisito, né? Sempre fui todo correto e parece que agora estou sentindo necessidade de me libertar um pouco.
— Sei…
— Fico fantasiando umas coisas. Crio umas histórias na minha cabeça. Uma espécie de fuga, para me distrair do fato que nunca mais vou poder comer outra mulher na vida, acho.
— Típico devaneio Sauliano. Tá, e daí? – ela comentou revirando os olhos
— Não é nada que eu realmente pense em concretizar, mas é que tem sido meio freqüente.
— Fala logo Saulo! Que porra de suspensa é essa?
— Eu tenho fantasiado com você!
Surpresa, sentiu as bochechas queimando e o sangue de todo seu corpo correr em direção às maçãs do rosto. A sensação durou menos de cinco segundos. Logo lembrou que estava diante do seu brother e resolveu não dar muita importância à confissão repentina.
— Que falta de criatividade fantasiar bem comigo ein? – comentou pra quebrar o gelo.
Continuaram conversando por mais algum tempo sobre literatura, relacionamento, sexo e fantasias, da forma despretensiosa de sempre. Ele parecia absolutamente natural, como se nada tivesse acontecido. Ela não. Aquela revelação tinha confundido sua cabeça. Não sabia se era o álcool, mas o fato é que agora não conseguia mais olhar diretamente nos olhos dele, pois temia que ele pudesse adivinhar o que se passava em sua cabeça. E o que ela pensava naquele momento era inconfessável, até mesmo para o seu melhor amigo.
De repente, tudo ficou sensual e com duplo sentido. A forma como ele pegava no copo, o jeito dele ajeitar o cabelo que insistia em cair sobre os olhos e até mesmo o modo como fungava o nariz a cada cinco minutos, por conta de uma rinite. Descobriu em Saulo um apelo sexual que nunca imaginara existir.
Por volta das 11 horas, conforme haviam combinado, foram conhecer o novo apartamento dele, recente aquisição que o deixava muito orgulhoso. Precisava compartilhar isso com você, ela havia dito.
Ao chegar, ele se serviu de uísque puro, sem gelo e ofereceu a ela uma dose misturada com água de coco, seu drink favorito. Clara avaliou que talvez devesse parar de beber, mas já não tinha forças para tomar essa decisão sozinha. Enquanto ele preparava a bebida, ela percorreu os dedos pela coleção de cds exposta na estante da sala, somente bandas de rock pesado: Black Crowes, Nine Inch Nails, Metallica. Nada muito romântico, pensou e balançou a cabeça, desaprovando o próprio pensamento. Estava prestes a escrutinar a estante de livros, mas neste exato momento ele voltou à sala com os dois copos na mão e um sorriso malandro. Entre um gole e outro, se olharam em silêncio. Ele tá me olhando diferente ou tô viajando por causa do que ele me contou?
O apartamento ainda não estava completamente mobiliado e era quase possível ouvir a tensão sexual se instalando e estendendo por todos os cômodos. Para sair daquela situação indefinida ela pediu pra ler um de seus textos, o que a princípio ele negou, alegando timidez. Ela continuou pedindo, quase insistente, porque não sabia mais o que fazer com aquele silêncio incômodo e achou que ler um conto dele pudesse dissipar a sensação. Ele acabou cedendo. Abriu um arquivo no computador e imprimiu duas folhas. Essa é uma das minhas fantasias com você, você se incomoda?
Hesitante, ela pegou os papéis e bateu os olhos rapidamente no texto. Algumas palavras fizeram seu sangue mais uma vez correr rapidamente para o rosto. Preferiu se levantar e continuar a leitura longe dele, perto da janela. Conforme a leitura avançava, uma onda de calor lhe tomava o corpo enquanto a razão ia sumindo de modo quase indisfarçável. As palavras começaram a se embaralhar. Ou eu tô muito bêbada ou eu tô seriamente a fim de ficar com ele.
— Qual parte você está lendo?
— A parte em que o cara finalmente beija a garota.
Então ele se colocou a apenas dois dedos de distância, atrás dela, sussurrando coisas ininteligíveis em seu ouvido. Ela sentiu as pernas amolecendo e um arrepio gostoso percorrendo a espinha. Tentou resistir, mas seu corpo não obedeceu. Inevitavelmente beijaram-se. Ele a encostou na parede, forçando seu corpo sobre o dela. Beijou seu pescoço bem devagar, queria reter na memória seu cheiro e seu gosto. Gostava dela. Sempre havia gostado. Aturdida pelo trinômio álcool, prazer e surpresa, Clara decidiu expurgar a culpa que sentia por estar ficando com o melhor amigo, comprometido, e se entregou. Então lhe lançou um olhar que dispensava palavras e ele entendeu.
Meia-hora depois o suor pingava no chão e ele sentiu que poderia morrer ali, naqueles segundos que sucedem o gozo. Exangues e ofegantes, os dois se espalharam pelo chão, cada um para um lado, respirando devagar.
De um lado ela pensava E agora? Do outro, ele também.